domingo, 7 de fevereiro de 2010

Imaginação

Por Rodrigo Urban
Estou sentado em uma praça no centro. Cidade arborizada. Um velhinho me observa enquanto descansa no banco com seu pesado fardo. Comida, leite e preocupação para casa. Com dificuldade ele levanta e sobe a avenida.
Um rapaz um tanto estranho se aproxima com uma mochila. A calça de tactel presa na meia e ao sapato preto de cadarço camurça, além da surrada camiseta verde dois números maiores que o dele, deixam seu aspecto confuso. Uma cara de poucos amigos e olhar vago denunciam seu estado de loucura. Comendo o pão com mortadela que retirou da sua mochila ele continua a me observar.
Ao chegar ao centro perguntei em uma padaria sobre um banheiro. Indicaram-me uma praça próxima, na margem oposta da rua que observo agora. Uma escadaria acinzentada, longa e alta, com gramíneas e árvores esparsas em volta. Ao subir a escada me deparo com a estrutura daqueles pequenos parques de diversão comuns ao interior paulista. Os carrinhos de bate-bate se destacam pelo colorido característico.
Ainda na praça travestida de parque de diversões olho para o lado esquerdo e observo uma pequena estrutura de concreto com um portão férreo enferrujado. Uma pequena inscrição "ELE" denuncia a utilidade do local. Entro e posso observar uma longa escadaria que faz uma suave curva à direita. Carrinhos de pedreiro, pás e sujeira marcam o muro limítrofe do local. À direita existe uma porta de madeira. O odor acre não deixa eu me enganar, estou indo para um banheiro.
O banheiro era estranho. Comum à primeira vista, apresentava várias poças com fluidos não identificáveis no chão, uma longa pia recoberta de azulejos com uma torneira apenas e problemas no encanamento. Um banheiro público brasileiro. Existia também alguns exemplares do objeto denominado "mictório" com água escorrendo constantemente de pequenos orifício localizados na porcelana. Particularmente acho os "mictórios" nojentos. Passei em frente às cabines e não encontrei vasos sanitários. Teriam depredado o lugar?
Com um pouco de coragem e evitando ao máximo possível pisar nas poças entrei em uma das cabines. Em meio às paredes pichadas e pedaços de jornal jogados no chão percebi porque não vira vaso sanitário. Eles não existiam. O local construído para satisfazer as necessidades humanas de eliminação de impurezas consistia em um buraco no chão envolto com uma peça cerâmica desnivelada e inclinada em sua direção e um cano que insistia em gotejar águia no mesmo. Também havia uma estrutura emborrachada para posicionar os pés. Tudo no nível do chão. Era um banheiro estranho.
Agora, saciada sua fome, o cara de louco se levantou e foi embora. Ao menos poderia ter se despedido.
Vou ler Edgar Allan Poe neste momento para balancear o tempo aberto, claro e feliz com um pouco de sonhos, sombras e escuridão. A vida sempre necessita de opostos.

domingo, 22 de março de 2009

Lixo no rio Pinheiros: um problema ambiental e também financeiro

Por Rodrigo Urban

O Rio Pinheiros é o principal rio localizado inteiramente na cidade de São Paulo (visto que o rio Tietê ultrapassa os limites do município, cortando boa parte do estado) e, como não poderia deixar de ser, sofreu todo o tipo de impacto proveniente do crescimento urbano desordenado e da atividade industrial que levou a cidade à potência latino-americana que é hoje em dia.
Durante o crescimento paulistano o rio mudou de curso, formou represas e foi utilizado para suprir as necessidades de água e energia elétrica da população. Mas também foi utilizado como um imenso esgoto e um grande depósito de lixo.
Atualmente existe uma empresa que faz a gestão do rio Pinheiros, controlando suas cheias e fazendo sua limpeza periódica.
Um estudo desenvolvido pela UNESP procurou estimar os gastos que a empresa gestora tem anualmente com a destinação do lixo retirado em suas quatro usinas (duas localizadas ao longo do curso do rio e duas situadas após a sua foz, já no curso do rio Tietê). Além do lixo proveniente da limpeza periódica feita com barcaças no próprio leito do Pinheiros.
A partir de levantamento de campo e informações cedidas pela empresa pôde-se estimar um gasto anual por volta de R$ 210.000,00 para destinação correta de um montante de cerca de 11.200 metros cúbicos de resíduos, ou 22.400 caixas d’água de 500 litros lotadas de lixo do rio.
Deste total estimam-se gastos de R$ 64.00,00 para destinação de madeira, R$ 3.000,00 para o papel e cerca de R$ 17.000,00 para sapatos e tecidos variados. Todos os materiais descartados de forma inadequada e grande parte que ainda poderiam ser utilizados.
Também existem os materiais plásticos. Por serem materiais “leves” eles não representam grande parte do “peso” do lixo (cerca de 6,9% do total), entretanto são mais de 40% do volume. Cerca de 4.000 metros cúbicos de material que poderia, abastecer indústrias de pequeno porte de reciclagem de plásticos, mas que ocupa espaço em aterros sanitários, entope bueiros e causa prejuízos de cerca de R$ 80.000,00, em vez de gerar receitas.
Mas o problema dos plásticos para a empresa gestora do rio Pinheiros não está apenas na sua disposição. Às vezes sacos plásticos e garrafas PET ficam retidos na grade de contenção das usinas. Por suas características, os plásticos “esticam” de tal forma que produzem uma barreira física que impede a passagem de água em alguns pontos e, consequentemente, as bombas ou geradores da usina de funcionar. Este fato pode gerar avarias nas máquinas do local. É necessário, então, que um mergulhador entre nas águas poluídas do rio, portando um maçarico, para destruir a barreira formada e retomar o funcionamento correto da usina.
E o problema financeiro pode ser ainda maior, uma vez que os dados apresentados são apenas os de custos para a disposição, desconsiderando gastos com mão de obra e a utilização e manutenção de equipamentos.
Nestas estimativas de volume de lixo não são contados os pneus retirados do rio Pinheiros. Para se ter idéia da importância e quantidade dos mesmos, existem empresas que recolhem, de forma gratuita, os pneus (mesmo estando sujos) dos pátios da gestora para reciclá-los ou usá-los como combustível em fornos industriais.
Se considerarmos que a quantidade de lixo retirada representa uma fração pequena frente aos resíduos que ficam anos depositados no fundo do rio, percebemos que o problema é muito maior do que o apresentado. Só nos últimos 15 anos foram retirados cerca de 192.500 metros cúbicos de lixo, apenas das duas usinas principais, ou cerca de 385.000 daquelas caixas d’águas comuns.
Apesar da grande repercussão atual dos problemas ambientais na mídia percebe-se que ainda há grande resistência da população em mudar velhos costumes, ou antigas visões. Por exemplo, pensar que rio está morto e que, portanto, pode ser usado como depósito de lixo. Tais pensamentos só dificultam os processos de recuperação dos rios.
E não se pode esquecer que as empresas que limpam os rios, inclusive aquela que cuida do rio Pinheiros, são empresas públicas estaduais e os seus recursos são provenientes, entre outras fontes, de impostos pagos pela população. Dinheiro que poderia estar sendo usado para outros fins, mas que acaba sendo “jogado no lixo”.

sábado, 1 de novembro de 2008

Samba só (provisório)

Por Rodrigo Urban

Eu queria te dizer
A vida não é assim tão fácil.
Eu queria te dizer
De tudo eu não sou o culpado.
Quem dera eu tivesse
Algo em que me segurar.
Quem dera eu não fosse um alvo
Que os erros insistem em acertar.

Eu queria te dizer
A vida não é assim tão fácil
Eu queria entender
E agora o que é que eu faço.
Não sei nao entendo isso tudo
Tudo isso pelo que eu passo.
E o pior dessa história
É saber que a vida não é fácil.

domingo, 28 de setembro de 2008

O que quer dizer essa música?

Por Rodrigo Urban

Incrível como o sentido de músicas mudam conforme seu humor, ou quando acontecem coisas inesperdas em sua vida. Hoje ele entende a música de um jeito, amanha de outro, ontem de outra forma!
E quando tentamos descobrir o que o autor quis descobrir nos surpreendemos e muitas vezes náo concordamos! Pô, ele falou que é isso mas tenho certeza que ele quis dizer aquilo que eu pensei!
Ficou perdido caro leitor? Basta dizer entao que o sentido da letra de uma música é uma das coisas mais subjetivas do mundo...
Como exemplo coloco duas músicas nos próximos tópicos e deixo as interpretaçoes por sua conta (e risco)...

Seria o Rolex?

Móveis Coloniais de Acaju

Composição: Leonardo Bursztyn

Minha doce dor se esconde
Por trás de um sorriso
Comprado, corrompido
Feliz fingido

Penso, dispenso explicações
Não controlo meu super-ego
Impossível entender minha tristeza
Já desisti não existe porquê
Sou apenas mais um alegre deprê

Busquei em vão
Identificar
Motivos para não
Querer te guardar

Copacabana


Móveis Coloniais de Acaju

Composição: Leonardo Bursztyn

Por você aprenderia
Esperanto e traria
Gorbatchev para uma série de palestras
Na casa da minha tia
Onde todos beberíamos chá
Na cada da minha tia
Fofocando sobre a Perestroika

Por você escreveria
Um livro sobre o insólito
Um almanaque simples, óbvio
Guia completo do amor
Uma enciclopédia do utópico
Um dicionário do amor

E em cada verbete
Um singelo lembrete:
“Em sua companhia quero estar”
Quero te ver de corpete
Te guiar num Corvette
E seguir sem destino pra chegar

Minha intuição não me engana
Você faz-me ser tão Copacabana
E o inferno lembrar
Fim de semana

Por você a Babilônia
Seria ali na esquina
E o Mar Mediterrâneo, uma mísera piscina
Cercada de cerca vivaI
solando nosso condomínio
Cercada e bem protegida
Pros Paparazzi não poderem olhar

Por você lecionaria
Iôga, Tai-Chi, terapia
Se a fizesse feliz e distendida
Buscaria em shopping centers
O elixir do Marajá
Comeria perdiz e ananás
Se estivesse prestes a te beijar

E em cada verbete
Um singelo lembrete:
“Em sua companhia quero estar”
Quero te ver de corpete
Te guiar num Corvette
E seguir sem destino pra chegar

Minha intuição não me engana
Você faz-me ser tão Copacabana
E o inferno lembrar
Fim de semana

O que quer dizer essa música?

Por Rodrigo Urban

Incrível como o sentido de músicas mudam conforme seu humor, ou quando acontecem coisas inesperdas em sua vida.
Hoje ele entende a música de um jeito, amanha de outro, ontem de outra forma!
E quando tentamos descobrir o que o autor quis descobrir nos surpreendemos e muitas vezes náo concordamos! Pô, ele falou que é isso mas tenho certeza que ele quis dizer aquilo que eu pensei!
Ficou perdido caro leitor? Basta dizer entao que o sentido da letra de uma música é uma das coisas mais subjetivas do mundo...
Como exemplo coloco duas músicas nos próximos tópicos e deixo as interpretaçoes por sua conta (e risco)...

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Passeio noturno naquele lugar

Por Rodrigo Urban

O tremular da bandeira.
O andarilho calmo, solitário.
O som do jato d´água.
O surdo som de meus passos.
A calma atormentadora,
Estranha.
O vento gelado em meu rosto
A quietude do que se movimenta...
De dia.
Estrelas no céu a me observar.
O silêncio gritando,
Chamando,
Pedindo...
Para fazer-lhe companhia.
A beleza da ausência fria
Contemplando aquele alto lugar
A calma onde ela não existe.
Como é bela, a solidão.
Como é triste, a solidão.
Como é comum, a solidão...

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

O Direito ao Palavrão

Texto de Luís Fernando Veríssimo

Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português vulgar que vingará plenamente um dia. Sem que isso signifique a "vulgarização" do idioma, mas apenas sua maior aproximação com a gente simples das ruas e dos escritórios, seus sentimentos, suas emoções, seu jeito, sua índole.

"Pra caralho", por exemplo. Qual expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que "Pra caralho"? "Pra caralho" tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via-Láctea tem estrelas Pra caralho, o Sol é quente Pra caralho, o universo é antigo Pra caralho, eu gosto de cerveja Pra caralho, entende?

No gênero do "Pra caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "Nem fodendo!". O "Não, não e não!" e tampouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, absolutamente não" o substituem. "Nem fodendo" é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo "Marquinhos, presta atenção, filho querido, NEM FODENDO!". O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Lupicínio.

Por sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional. Como comentar a gravata daquele chefe idiota senão com um "é PhD porra nenhuma!", ou "ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma! . O "porra nenhuma", como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha. São dessa mesma gênese os clássicos "aspone", "chepne", "repone" e, mais recentemente, o "prepone" - presidente de porra nenhuma.

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um "Puta-que-pariu!", ou seu correlato "Puta-que-o- pariu!", falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba... Diante de uma notícia irritante qualquer um "puta-que-o- pariu!" dito assim te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no cú!"? E sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai tomar no olho do seu cú!". Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega! Vai tomar no olho do seu cú!". Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a camisa e saia à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu!". E sua derivação mais avassaladora ainda: "Fodeu de vez!". Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar: O que você fala? "Fodeu de vez!". Sem contar que o nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela fala. Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"? O "foda- se!" aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta. "Não quer sair comigo? Então foda-se!". "Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-se!". O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição Federal. Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se!.

Grosseiro, mas profundo... Pois se a língua é viva, inculta, bela e mal-criada, nem o Prof. Pasquale explicaria melhor. "Nem fodendo..."

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Nao aprendemos com o tempo (texto de 2003)

Por Rodrigo Urban

Passados anos, décadas, séculos e milênios
E o homem náo aprendeu com o tempo.
Somos corruptos, agressivos e sabemos:
O homem nao aprendeu com o tempo...
A miséria é grande, nao nos preocupamos.
O homem nao aprendeu com o tempo.
Mentimos, roubamos e também matamos.
É... o homem nao aprendeu com o tempo.

Pensamos qual a soluçao,
seria ela usar o coraçao?
Poderíamos usá-lo junto com a razao?
A humanidade suportaria tal evoluçao?
Será que sim, ou será que náo?

Guerras de hoje e de tempos atrás.
O homem nao aprendeu com o tempo.
Movidos por cobiça, ganância e mais!
O homem nao aprendeu com o tempo.
E a cobiça domina a cabeça dos "Senhores"
O homem nao aprendeu com o tempo.
E a guerra prenunciada nos dá temores.
Realmente o homem nao aprendeu com o tempo...

Pensamos qual a soluçao,
seria ela usar o coraçao?
Poderíamos usá-lo junto com a razao?
A humanidade suportaria tal evoluçao?
Será que sim, ou será que náo?

Uma sociedade enganosa.
Rodando, girando no tempo.
A humanidade nao aprendeu, minha nossa!
Defeitos nao curados pelo tempo.
Apenas nossos atos podem corrigí-los.
Nao esperemos que tudo de resolva com o tempo...
Porque no fundo todos sabemos...
O homem nao aprendeu com o tempo!

Pensamos qual a soluçao,
seria ela usar o coraçao?
Poderíamos usá-lo junto com a razao?
A humanidade suportaria tal evoluçao?
Será que sim, ou será que náo?

Precisa-se tentar (texto de 2004)

Por Rodrigo Urban

Nao sei como lhe pedir
Mas sei que posso tentar
Faço um esforço,
Miro o olhar,
Arrumo palavras
Mas nao consigo me expressar!
Espere! Nao vire as costas,
Nao sabe como é difícil...
Querer e nao poder...
Falar...

sábado, 7 de junho de 2008

Aniversário

Por Rodrigo Urban

Parabéns pra você, nesta data querida...
Desde quando a humanidade comemora aniversários? Eu não sei, mas o importante é que faz muito tempo.
Mas porque comemorar/considerar essa data tão importante? Existe toda uma simbologia por trás dela, é o dia do nascimento; é um marco de passagem na vida; é a comemoração de mais um ano completo; é mais um dia para se ganhar presentes...
Porém, se pensarmos melhor, o aniversário não passa de um dia comum. Um dia com nascer e pôr-d0-sol, um dia em que o mundo continua a girar, um dia que as árvores continuam a fazer fotossíntese e os animais continuam a se alimentar. Um dia perfeitamente comum, sem nada especial, sem nada fantástico.
Nos aprofundando um pouco mais percebe-se que nem ao menos é a comemoração anual do nascimento a que se propõe. Se considerarmos os anos bissextos e os segundos a mais dos dias 31 de dezembro vemos que fazemos festa nos dias errados! O dia de um mês de 2008 nao tem uma diferença de um ano para o mesmo dia do mesmo mês de 2009.
É possível afirmar, então, que comemoramos um dia comum qualquer todo ano, sem sentido concreto algum.
Mas tenho que admitir...
Me vem sempre aquela ansiedade infantil na véspera e eu experimento os mais diversos sentimentos nesse dia comum que chamam aniversário. Você não?

"Feliz Aniversário!"

domingo, 1 de junho de 2008

Sem título (texto com alteraçoes de 2003)

Por Rodrigo Urban

O mundo repleto de obrigaçoes
Tantas obscuras frustraçoes
As regras, as dúvidas, o medo
Começando cada vez mais cedo!

Dando-se intensas extinçoes...
do pensamento, tao cedo!
Dormir e acordar sem medo
É o mais claro desejo dos coraçoes.

Tantos segredos e ilusoes
A humanidade em prantos
Emitindo velhos chavoes.

Nada de beleza ou encantos,
Todos perdidos sem emoçoes
Sem lembrar dos antigos cantos.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

O mundo está triste (texto de 2003 - proposta escolar)

Por Rodrigo Urban

Trabalhamos toda vida,
doamos nosso sangue,
quantos sacrifícios pelos mais jovens!
Mas nao somos eternos. Quem dera!
Passamos pelo nascimento, pela infância,
pela maturidade e... onde estamos agora?
Perdidos, sem ocupaçao,
sem carinho, sem esperança.
Total desconfiança alheia e a nossa existência recompensada...
com descaso, solidao.

Tratam-nos como inúteis,
nao somos, nunca fomos!
Mas agora...
calados, sem nossas antigas forças
choramos.
Nao queremos demais,
nao precisamos de muito,
respeito, compaixao...
nao custam caro, na trazem dor.

A nossa dignidade nao subjulga ninguém,
nao é esse o intuito,
nao existe porque recusá-la, ter receio.
Por quê nao ajudar alguém viver?

O retorno da esperança,
do carinho, do amor
é o que todos necessitamos.
É o que o mundo necessita,
para se alegrar novamente.
E para que a denominada terceira idade nao seja...
apenas uma transiçao dolorosa...
entre a vida e a morte.

Mas por enquanto o mundo ainda está triste.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

O que eu devo fazer? (texto de 2002)

Por Rodrigo Urban

Eu acho que eu sei de tudo,
mas há uma nuvem na frente do sol.
Sua sombra escurece o fundo,
o fundo da minha mente,
e essa escuridao na me deixa
mais pensar claramente.
Agora nao sei o que eu vou fazer,
agora o que irá acontecer?

Boca e ouvidos fechados,
Meus olhos estao embaçados.
Quando eu vou entender,
o que eu devo fazer?

Nao tenho um caminho pra prosseguir,
nao tenho um horizonte pra olhar,
nao sei para onde eu devo ir,
na escuridao nao consigo andar!
Estou perdido nas sombras,
inativo sem imaginaçao,
me comparo até aquelas
goatas de água dispersas no chao!

Boca e ouvidos fechados,
Meus olhos estao embaçados.
Quando eu vou entender,
o que eu devo fazer?

Essa situaçao,
nao sei com eu posso mudar!
As portas da vida estao fechadas,
e eu nao conheço um modo de entrar.
Perdido na sombra daquela nuvem,
que cobriu o sol para mim!
Quando eu ainda achava,
que sabia tudo, enfim!

Boca e ouvidos fechados,
Meus olhos estao embaçados.
Quando eu vou entender,
o que eu devo fazer?

Quando eu vou entender,
o que eu devo fazer?
Quando eu vou entender,
o que eu devo fazer?

Tempo (texto de 2002 com alteraçoes)

Por Rodrigo Urban

Tempo, voce o ata?
Tanto tempo e sem tempo nenhum.
Cavo o tempo, procuro e tento,
mas nao acho...
tempo pra mim.

Invejo a ave, no seu ato de voar,
livre,
sem perceber o tempo passar.
E canto, pedindo ao vento
"Por favor dê-me de presente...
o tempo!"

Novos textos antigos

Por Rodrigo Urban

Como eu percebi uma inatividade neste blog, e também percebi uma certa escassez de tempo para a produçao de novos textos por parte de seus "escritores", resolvi iniciar uma série de postagens de textos antigos. É claro que essa idéia veio graças a enxurrada de pedidos por novas postagens, e espero saciar a necessidade de textos dos nossos ávidos leitores!
Assim começo as postagens dos meus textos antigos, que náo refletem estados de espírito atuais, mas sáo algumas passagens da minha vida. Alguns sáo muito ruins, outros só um pouco ruins. Mas fazem parte da "história literária" deste blogueiro que vos fala.
Sem mais delongas iniciemos as postagens com um texto que vem bem a calhar, intitulado "Tempo"

PS: Me perdoem pela ausencia ou erros quanto a utilizaçao de acentos, o teclado em que eu escrevo está com alguns probleminhas.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Crônica da Separação

Por: Maria Ligia Ueno


Às vezes a vida é o que não parecia dever ser. E nos acomodamos de tal forma que não percebemos que ela passa e leva embora nossos sonhos, nossas alegrias. Nisso formam-se chagas incuráveis que hão de sangrar eternamente mesmo que a dor do punhal perfurando as entranhas passe. E o sangue, mais rubro que o próprio sol, corrói a pele pelos poros até que a própria pele se torne sangue, um sangue incolor e salgado que deságua em forma de amor até o coração. Às vezes a vida leva o que nos era de melhor para um mundo oblíquo, e o rastro desse arrastar de ponteiros e passos fica cravado a ferro na nossa mente, para jamais ser esquecido, apesar de nunca ser lembrado.E o nosso melhor deixa o vazio em seu lugar, e este toma forma e corpo, aumenta de densidade e vai se apoderando do todo; e quando chega nas lembranças mais ternas e pueris se desfaz, em risos entre prantos, em sorrisos entre lágrimas, em amor em meio a dor. Às vezes a ausência é o único caminho para a presença; que é quando se sente quando não se há, quando se abre ao se fechar, quando a desfeita é uma feita transversa. E nesse ponto a única solução é a solidão, para evitar que se fique solitário; então há a evocação... e a partir daí apenas o adeus é benvindo e celebrado, apesar da dor aparente, sua razão é pelo amor, mais puro do que nunca, quando supera a si próprio abraçando o altruísmo egoísta, que é quando o seu melhor para a ser o melhor do outro.

sábado, 12 de abril de 2008

O viver do homem

Por: Maria Lígia Ueno


Quanto medícore é o homem.... todo em seu universo com sua utópica onipotência sentindo-se no topo de sua magnitude. Sim, o homem está no topo... da arrogância, do egocentrismo. O homem é egoísta, e nada mais pode ser pior que isto. O homem de tão egoísta sofre, entretanto o homem gosta de sofrer, sente paixão pelo sofrimento. O homem ama a dor. Tanto mais dolorosa a vida, mais intensa e apaixonante foi. O homem não busca a felicidade, nunca buscou; e sim, suas chagas... suas fendas exteriores. O homem ama sofrer... tanto que tem medo de morrer por não saber se seu sofrimento continuará; acaba sofrendo por morrer... se submetendo aos mais asquerosos atos para não deixar de viver e, conseqüentemente, sofrer.
O homem é o ser que mais ama a vida, o menos incorformado. è claro, que há os realistas... estes se suicidam na primeira oportunidade. Há aqueles que julgam não sofrerem: falácias da vida moderna. Outros julgam sofrerem mais, apenas incompreendidos que não sabem ser o sofrimento igual a todos. Sim, igual, como não haveria de ser? Alguns sofrem mais pela morte de seu cachorro que pela doença degenerativa de seu tio, então, para estes, o cachorro morr e seu tio permanece. Há também os mais medíocres, aqueles que têm consciência de seu sofrimento e mesmo assim são alegres, felizes, não. Ninguém é feliz; posso provar, não existe felicidade nesse mundo pois esta foi completamente devorada pela ambição.
Hei de terminar minhas mágoas com a realidade que não inventei por aqui... antes que eu deixe de ser medíocre, caia na realidade e esta se torne uma obra póstuma.

domingo, 30 de março de 2008

Nostalgia

Por: Luiz Augusto Manfré

queria poder fechar os olhos e voltar,
sentir o gosto dos bons momentos,
ou mesmo dos maus,
queria poder voltar no tempo,
para refazer tudo do mesmo jeito,
para reviver as alegrias,
sofrer as tristezas,
sentir a presença dos que já não estão mais ao meu lado,
o futuro assusta,
o presente me confunde,
e o passado me conforta,
pois dele já sei tudo.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Auto-crítica

Por Luiz Augusto Manfré

Todos esses pensamentos e tentativas de auto-compreensão são muito confusos ainda. Talvez essa busca por entendimento próprio seja devido à necessidade de satisfazer à segundos. Talvez não esteja me esforçando pra me entender, talvez apenas esteja tentando me justificar, esteja buscando maneiras alternativas de satisfazer aos questionamentos dos outros. Mas por que, afinal de contas? Será que a necessidade de agradar aos outros é tão maior que a necessidade de auto-conhecimento? Por que será que as nossas vidas dependem tanto de relacionamentos com os outros? Preisamos tanto nos manter em um nível agradável aos outros, que, em certos momentos, usamos máscaras que não nos agradam e muitas vezes não nos servem, não encaixam em nossas faces e nem mesmo combinam com nossas personalidades, mas as usamos. É necessário, para formalizar nosso contrato de convivência com nossos "semelhantes". Nesse contrato, não devemos agir de acordo com nossa conveniência, mas sim de acordo com padrões pré-estabelecidos pela "lei" vigente no momento.
E, é dessa forma que mostramos à todos, como somos agradáveis, como somos dóceis, como somos gentis e como não somos sínceros e verdadeiros. Não me orgulho ao admitir que assinei o contrato e vivo de acordo com a necessidade e me adapto aos momentos. Não possuo uma face, mas várias. E, cada face me fornece, não apenas uma aparência diferente aos olhos e opiniões alheias, mas também me fornece olhos que enxergam de formas diferentes, vozes com tons e palavreados diferentes, e até mesmo uma consciência diferente que pressupõe necessidades e atitudes distintas, de acordo com a necessidade, não a minha, mas a dos demais sigantários do contrato. Parafraseando Freud em sua mais célebre "verdade", e a dita terceira maior ferida no orgulho da humanidade, "O eu não é senhor na própria casa", e assim vivem todos os declarados sãos, às vistas da sociedade e dos grande especialistas em pensamento. Não esprava chegar à essas conclusões quando comecei a escrever este pequeno ensaio, acredito que essas sejam minhas verdades, minhas noções à respeito das atitudes humanas.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Gramática, normas e charlatanismo

LFH

Não foi a pedido de meus fiéis e seletos 5 leitores que, depois de um longo período ausente, decidi voltar a postar algo aqui. Tenho andado extremamente desocupado. O ócio, como vocês devem saber, traz consigo um turbilhão de pensamentos, ainda que nem todos estes tenham relevância (vide www.faltadeopiniao.blogspot.com). Meu cérebro, a propósito, funciona melhor quando disponho de tempo livre suficiente para não fazer nada. Bom, vamos ao que interessa. Ou melhor, vamos ao que não interessa, já que é presunção demais achar que as seguintes linhas poderiam interessar a alguém.

(Caso você tenha se interessado, prepare seu saco porque este post será um pouquinho mais longo que o usual)

Hoje vou falar sobre um assunto ao qual tenho me dedicado como diletante desde os saudosos (ou nem tanto) tempos de ginásio: a língua portuguesa. A afinidade com a disciplina já me acompanhava, na verdade, desde os tempos pré-escolares. Por algum motivo, desde criança eu já deliciava com os mistérios de um texto, com aquele universo todo de palavras desconhecidas e também com os diferentes sentidos que uma palavra já conhecia poderia assumir. Percebe-se que minhas excentricidades não são tão recentes assim.

Mais tarde veio o contato com a temida gramática, matéria sempre bem cotada entre as mais odiadas pelos estudantes. A professora responsável era a minha preferida na época e hoje continua a figurar no Top 5 dos melhores mestres da minha vida. Acompanhava atentamente e também tentava, na medida do possível, colocar em prática seus ensinamentos, mas havia uma coisa que me deixava intrigado: será que o aprendizado formal de todas aquelas regras era imprescindível para a produção de um bom texto? Havia exemplos vivos que sustentavam minha desconfiança, já que alguns dos que derrapavam nas provas de gramática eram ótimos escritores;

Talvez por falta de opção, a gramática foi minha única parceira nos estudos de português por mais alguns anos. Confesso que cheguei, em algum momento, a tachar de analfabeto aquele incapaz de conjugar o plural e a menosprezar alguém que emitisse uma construção como "estou meia confusa". Hoje sei plenamente que era apenas uma vítima das noções equivocadas de língua difundidas pela escola e, principalmente, pelos meios de comunicação. Devo isso a meu ímpeto curioso, que me levou a buscar informações mais lógicas, seguras e consistentes a respeito do assunto.

Antes de começar a combater tais noções equivocadas a que me referi, devo dizer que não tenho o costume de me manifestar sobre temas com os quais não tenho alguma intimidade. Charlatanismo e obscurantismo são duas coisas que me causam repulsa. Assim sendo, grande parte das idéias que exporei não representam minha mera opinião subjetiva a respeito do tema. Elas encontram respaldo nos argumentos de pesquisadores bastante respeitados no meio acadêmico. Caso queira discordar de mim, esteja ciente de que estará automaticamente discordando do pensamento científico vigente.

Para fins de introdução (sem malícia), seria interessante fazer algumas considerações a respeito da gramática normativa, aquela que é objeto de estudo na escola (vou chamá-la simplesmente de gramática – já somos íntimos). O que é a gramática? Muitos acreditam que a gramática é o livro que, amparado em noções de certo e errado, dá as coordenadas àqueles que pretendem fazer um bom uso do idioma. É nessa visão distorcida que se encontra a cerne de todas as concepções preconceituosas sobre a língua.

Como qualquer pessoa atenta sabe, cada um das múltiplas situações de comunicação pede uma linguagem particular. O meio científico, por exemplo, exige uma linguagem clara, direta e sem firulas. O marketing, por sua vez, é marcado por uma linguagem instrumental, tão pragmática quanto a postura adotada pelos marqueteiros que a empregam. Em compensação, uma revista voltada aos surfistas abusará de um vocabulário despojado, maleável e repleto de gírias. Portanto, a língua de cada meio social é regida por certas regras tácitas.

E quanto a gramática? Bem, o que a gramática faz é recensear as diversas variedades de uma língua e realizar um juízo de valor sobre as informações encontradas. São nesses juízos que se apóiam as regras estabelecidas por ela. A gramática condena, por exemplo, a marcação de um único plural numa frase como "As pessoa foi" não por uma razão lógico-linguística, mas sim por motivos meramente estéticos. O parâmetro tomado para definir o que é certo e o que é errado (ou o que é bonito e o que é feio) são as normas adotadas por aqueles tidos como os usuários exemplares da língua. São, como já se poderia esperar, os membros das classes sociais mais elevadas e, sobretudo, os literatos de boa reputação. Uma frase usada por um grande escritor pode, aliás, abonar uma construção alheia aos padrões de excelência gramatical. Logo, se Machado de Assis ressuscitasse e escrevesse "A maioria foram...", é bem provável que construção seria imediatamente saudada como uma figura de linguagem genial. Já você, mero mortal, pense duas vezes antes de fazer coisa parecida.

Apesar de sua orientação notoriamente elitista e conservadora, a importância da gramática – uma tradição que remonta à Grécia antiga – não deve ser negada. Nascida como o primeiro documento voltado a descrever uma língua e já perfeitamente consolidada na cultura ocidental, a gramática veicula o que se chama de norma padrão da língua. É a norma em que são – e foram - escritos os documentos oficiais, grande parte dos livros e tantos outros textos produzidos em meios formais, e à qual todos os alunos devem ter o acesso assegurado. Pode-se dizer, portanto, que a norma padrão se constrói acima de todas as outras variedades de um sistema lingüístico.

Reconhecer o valor cultural legado pela gramática não impede, entretanto, que apontemos certos desvios metodológicos e ideológicos presentes nela. Poderia desdobrar-me em questões mais específicas, mas vou ater-me ao que julgo mais relevante. Sendo um instrumento guardião de uma tradição, a gramática demora a absorver as mudanças de rumo numa língua. Em razão disso, há uma disparidade muito grande entre a norma culta e a norma padrão. Aqui vale uma dasambiguação: a norma padrão mira, como já disse, uma língua idealizada, tendo como referência os bons usuários da língua; já a norma culta é aquela corrente entre usuários cultos, grupo que compreende os cidadãos que possuem o terceiro grau completo. Como efeito, continuam a ser desabonadas construções já assimilados pelo padrão culto, tais como “assistiu o filme” e “obedeceu o pai”.

Depois de tanta embromação teórica, vou agora atacar de fato algumas das idéias senso comum que resultaram do louvor excessivo à cultura do certo e errado na língua. São noções que tomaram conta da mídia, das conversas de bar, das comunidades orkutianas e até das discussões entre universitários (não-especializados, diga-se de passagem). Em comum, todas elas revelam preconceito e uma imperdoável falha de análise. Ei-las:

1) Pleonasmo: um pleonasmo nada mais é do que a redundância no âmbito das palavras. É um fenômeno considerado deselegante, impróprio e que motiva muitas piadinhas por parte dos sabichões. “Entra pra dentro, moleque!” causaria arrepios em muita gente por aí. O que é ignorado neste caso é que, apesar da insistência na mesma idéia, há uma dimensão pragmática na frase. Um simples “Entra!” soaria bem menos incisivo e ameaçador. A mãe irritada com o filho sabe inconscientemente disso. Os analistas espertalhões, não. Eles também parecem não se dar conta de que a concordância de número no português é redundantemente redundante (tá, esse jogo de palavras foi péssimo). “As meninas bonitas foram fazer compras” tem quatro marcações de plural. Então, se você abomina redundâncias, marque o plural apenas uma vez: “As menina bonita foi fazer compras”.

2) Gerundismo: o famigerado gerundismo também me irrita, mas isso nada tem a ver com o fato de ele ser uma construção gramatical ou não. Muitos (não-especialistas, em geral) dizem que a moda surgiu de uma tradução inadequada para uma estrutura típica do inglês (“I will be sending” etc.). Improvável. A verdade é que o português brasileiro sempre foi benevolente com as construções no gerúndio, inclusive quando estas não expressam idéias de continuidade ou simultaneidade. Por um lado, o gerundismo me incomoda por predominar em esferas de comunicação burocratizadas e impessoais (no mundo dos negócios, sobretudo), onde o falante está mais preocupado em forjar uma erudição inexistente do que se comprometer com a informação dada. Eu, particularmente, nunca presenciei o tal do gerundismo numa conversa de bar. Por outro, devo ser indulgente, uma vez que tenho percebido que indivíduos das camadas populares recorrem à formula por considerá-la mais elegante, receosos em revelarem, por meio da fala, sua origem social.

3) Conjugações verbais inadequadas: é provável que você já tenha ouvido alguém dizer: “Isso vareia”. Erro grosseiro, não? Agora, como exercício, conjugue rapidamente na terceira pessoa do singular do indicativo os verbos “remediar” e “intermediar”. Remedia e intermedia, correto? Errado. Ocorre que os verbos terminados em –iar não seguem um paradigma fixo. “Variar” se conjuga (na ótica da norma padrão) de forma regular. “Remediar” e “intermediar” se conjugam como o verbo “odiar”. Portanto, “ele intermedeia” e “ele remedeia”. Esses simples exemplos demonstram como estamos sujeitos ao mesmo tipo de erro cometido por aqueles que julgamos ignorantes.

4) Estrangeirismos: foi aprovado recentemente pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados um projeto de lei que busca “promover, defender e proteger a língua portuguesa”. O projeto determina que os meios de comunicação, os estabelecimentos comerciais e a publicidade substituam os termos estrangeiros por equivalentes em português. Num misto de ignorância com ingenuidade, o autor do projeto, o deputado Aldo Rebelo, acredita que o excesso de palavras em inglês que se infiltram no português do Brasil podem dificultar a comunicação e induzir a população ao erro. Ora, uma pessoa é plenamente capaz de entender os termos específicos relacionados a um assunto com o qual ela tenha alguma intimidade, sejam esses importados ou não. Um indivíduo que acompanha regularmente a F-1 sabe, independentemente de dominar o inglês, o que é cockpit, grid, guardrail, pneu slick, entre outros jargões do esporte. Todavia, é provável que a mesma pessoa não entenda os termos vernáculos de um simples contrato de aluguel ou, como convém citar, de um projeto de lei.

Ao defender a permuta da expressão ou palavra em inglês por uma em português, o deputado incorre em outro erro. Como já disse, as palavras, além do significado que encerram, também possuem uma dimensão pragmática. Logo, um termo estrangeiro carrega consigo sentimentos subjetivos associados aos falantes da língua que origina o empréstimo. Deste modo, uma palavra inglês carrega valores como modernidade, avanço tecnológico e justiça, mas também outros como arrogância e imperialismo. Da mesma forma, um termo francês pode conotar requinte, elegância e, por outro lado, pedantismo. Os publicitários sabem muito bem desse apelo das palavras estrangeiras. Não por acaso, revistas destinadas ao público jovem costumam ser batizadas com nomes em inglês (modernidade), enquanto uma famosa revista dedicada às mulheres traz um nome francês (elegância).

Rebelo ignora que usamos a linguagem o tempo todo para demarcar nosso círculo de interlocução. Portanto, quando uma loja de departamento estampa SALE em suas vitrines, pode ter certeza de que não lhe interessa como cliente a pessoa que desconhece aquele termo em inglês. Tenha mais certeza ainda de que um legislador redige em uma linguagem excessivamente rebuscada exatamente para não ser entendido pela maioria da população.

5)O significado de uma expressão é igual à soma do significado de suas palavras: “Os locutores vivem inventando umas expressões bobas, como ‘correr atrás do prejuízo’, usada para o time que precisa virar uma partida. Quem é o maluco que "corre atrás do prejuízo"? As pessoas correm atrás é do lucro.” A declaração é do multimidiático professor Pasquale Cipro Neto, em entrevista à revista Veja. Tido por muitos (leigos, obviamente) como a maior autoridade brasileira em língua portuguesa, Pasquale nem mesmo chegou a completar o curso de Letras. Se o fizesse, talvez teria a percepção ampliada a ponto de notar que o sentido de uma expressão idiomática não é dado pela conjunção dos sentidos literais das palavras que a compõem. Condenar o uso de tais expressões é cercear a criatividade dos falantes e colocar rédeas no dinamismo inerente a uma língua. Professor Pasquale, com todo o respeito, vá pentear macacos!

6)A língua deve subordinar-se à lógica matemática: não estava presente, mas fui rapidamente informado da pérola. Numa dessas aulas da Engenharia, o professor relembrava um famoso slogan usado pelo governo Lula: “Sou brasileiro e não desisto nunca”. Um aluno, com muita sagacidade, imediatamente interveio. Argumentou que a frase deveria ser refeita, pois há nela uma dupla negação que a afasta do sentido pretendido. Assim, “não desisto nunca” equivale a “desisto sempre”. Talvez o rapaz sofra de um inédito quadro de afasia. Engenheiro por vocação, acostumou-se tanto a lançar mão de seu raciocínio lógico-matemático que passou a aplicá-lo em âmbitos que não suportam tal tipo de análise. Uma língua, assim como a matemática, é um modo de representação do mundo real. Um cachorro pode ser representado por meio do código CACHORRO, tal qual um par de tênis pode ser representado matematicamente como 1+1. Supor que uma língua deva submeter-se à lógica matemática é tão estúpido quanto pensar que a matemática deva orientar-se pela lógica de uma língua.

7) Supostas impropriedades lexicais: já ouvi, não me lembro exatamente onde, alguém dizer que um médico não pode tirar a pressão de um paciente, caso contrário este morrerá. Como piada infame, o comentário até passa. O problema se configura quando as pessoas passam a acreditar que realmente é um erro dizer “tirar a pressão”.

O povo tem o poder de modificar uma língua conforme seus desígnios. Neste processo, uma palavra pode agregar transformações e ampliações ao seu sentido, conferindo mais possibilidades para os falantes expressarem uma mesma idéia. Tais transformações ocorrem de forma natural e freqüentemente se incorporam ao nosso vocabulário sem que percebamos. O mesmo cara que torce o nariz para o “tirar a pressão” provavelmente diz sem problemas que “fez a barba” e que “seu carro morreu”.

Todos nós temos determinadas preferências estéticas: uns preferem as loiras, outros as morenas; há quem goste de cerveja, da mesma forma como há quem deteste. Naturalmente, essa preferência também se estende aos usos lingüísticos. Eu, por exemplo, nutro certa antipatia pela a construção “devido a”. Nos meus textos, prefiro formas equivalentes como “em virtude de“, “por causa de” ou “em razão de”. Manifestar preferências é válido. Querer impô-las como verdade universal é fetiche autoritário.

8)Assim se fala porque assim se escreve: um inesperado visitante grego estranhou a forma como pronunciávamos o nome de nosso próprio país. Do alto de sua sapiência, argumentou que havíamos transformado o fonema /l/ em /u/, o que nos levava a erroneamente dizer “Brasiu” em vez de “Brasill”.

O pensamento antiquado não é, entretanto, exclusividade de nosso amigo estrangeiro. Fui vítima de piadas ao declarar, em uma viagem, meu insistente desejo por um porção de “pulenta” frita. De início, achei que fosse apenas uma implicância com o meu sotaque interiorano. Não era. À chacota seguiram-se explicações – tiradas não se sabe de onde - sobre como se deveria pronunciar corretamente o som das vogais, além de outras patacoadas de mesma natureza.

O equívoco, no caso, se dá pela confusão que se faz entre língua e ortografia. A língua é um fenômeno vivo que varia no tempo, no espaço geográfico, nas classes sociais e nas diferentes instâncias de comunicação. A ortografia é apenas uma representação gráfica para a língua falada, uma convenção para fins de unificação da escrita. Acreditar que a língua falava deva submeter-se à escrita é uma deturpação tremenda, típica de quem dá as costas para a ordem e a lógica dos acontecimentos.


Num mundo em que os livros de auto-ajuda ocupam as primeiras posições entre os mais vendidos, não é difícil entender por que a doutrina do certo e errado continua a reinar sem concorrentes quando se trata de língua. Neste e em diversos outros âmbitos do conhecimento, a doutrinação normativa está rapidamente sobrepujando o conhecimento verdadeiro, fruto da reflexão comprometida e do cotejo da informação adquirida com a dinâmica dos fatos do mundo real. Este, ao contrário daquele, exige um tempo de maturação até ser perfeitamente assimilado.

Um rápido passeio pela seção dos best sellers numa livraria pode confirmar como a normatividade nefasta se espraiou para os mais variados terrenos. Dúvidas de português? Consulte o Pasquale. Quer a receita para chegar à riqueza? Leia (ou assista) “O Segredo”. Não sabe o que vestir e como se portar naquela festa de casamento vindoura? A Glória Kalil pode lhe dar bons conselhos. Quer ser líder e, consequentemente, enriquecer? "O Monge e o Executivo" é a pedida certa para você. Afinal, para que pensar por nós mesmos se há quem desempenhe tal tarefa a um preço baixo?

Todos estes distribuidores de pílulas instantâneas do saber têm algo em comum: aproveitam-se da baixa auto-estima de seus alvos para lhes vender a idéia de que possuem deficiências que precisam ser rapidamente corrigidas. O leitor (ou telespectador), convencido de suas supostas debilidades, está então apto para receber as informações que mudarão sua vida. No final do processo, as duas partes ficam satisfeitas. O remediado, vislumbrando poder e liberdade, deixa-se seduzir, mas, sem perceber, passa a depender cada dia mais de suas pílulas; o remediador não só é agraciado com uma vultosa conta bancária como também opera a manutenção das relações de poder e hierarquia vigentes na sociedade. Assim, na surdina, consolida-se o golpe de mestre.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

A Casa

Dezembro/2000

Fábio andava pela rua. Olhava os sulcos da calçada e as nuvens no céu. Não se decidia para onde olhar. Mas naquele momento algo lhe chamou a atenção. Era verde, não azul, ou seria amarelo? Tinha dois, não três olhos grandes e brilhante, ou seriam pequenos e opacos. Tudo muito confuso, mas de uma coisa ele tinha certeza, estavam o olhando, o perseguindo, o chamando da janela daquela casa que nunca ninguém ousou entrar. Da casa da rua das Flores, número 157.
Mesmo após dormir Fábio não conseguia parar de pensar naquela estranha visão da tarde, os olhos o chamavam, o chamavam, o chamavam, continuavam chamando. Ele podia sentir, estavam o chamando agora. Nunca, em seus longos 17 anos de vida tinha sentido algo tão forte. Ele precisava levantar de sua cama e ir atrás daqueles olhos.Levantou. Saiu de casa deixando a porta aberta, para ninguém acordar com o barulho da chave trancando, sabia como sua mãe tinha o sono leve.
A casa que ninguém nunca havia ousado entrar ficava a três quadaras da sua. Eram meia-noite não duas.. ou seriam três da manhã? Não importava, Fábio corria em direçao à sombria casa.
Enquanto corria vinham à sua mente imagem dos olhos que o chamavam. Chegavam imagens da sua infância, que também eram sobrepostas. Tudo isso era muito estranho mas Fábio não se preocupou em desvendar seus pensamentos, apenas em chegar à casa.
Chegou. Ele a olhava, ofegante, e feliz, ou estaria triste?
A porta estava aberta mesmo a casa estando abandonada há anos. Mas a porta estava aberta. Fábio olhou para dentro. Parou, pensou, e passou do pequeno portão cinza e antigo. Atravessou o pequeno quintal, com três passadas, ou teriam sido mil, não sabia mais.
Chegou à porta. Olhou para dentro e viu uma pequena escada. Aqueles olhos estavam o chamando lá de cima. Ac asa teria quantos andares. Não se lembrava mais. Tomado de dúvida, alegria, desespero e uma irracional vontade, Fábio foi em direção à escada.
Um estrondo! A porta então se fechou. A rua estava deserta ninguém viu ou percebeu o que aconteceu.
Fábio não compareceu à sua formatura. Depois daquele dia nimguém nunca mais o viu.

domingo, 2 de setembro de 2007

Dúvida

Por Rodrigo Urban

Esverdeada relva aos meus pés,
Criada A partir do nada,
Feita A partir de tudo,
Sustentas o meu corpo,
Caído, ansioso por respostas,
Ansioso por soluções, por explicações,
Por ouvir certas opiniões.
Tentes me dizer,
Do que tu és feita,
Do que sou feito.
E pensas: vale apena,
Esconder segredo tão profundo,
Tão importante para o mundo,
De mim, um simples vagabundo?

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Escuro

Por Rodrigo Urban

Quando o rio vira mar.
Quando o som está no ar.
Se a vida passar,
Sem ninguém notar.
Eu posso falar,
Eu posso gritar,
Eu vou estar...
Sozinho no escuro

Tão só,
Fadado a falar.
Somente gritar.
Quando ninguém notar
Que o som está no ar,
Que o rio vira mar.
Eu vou estar...
Acompanhado no escuro.

sábado, 4 de agosto de 2007

A Grande Festa do Rio de Janeiro

Por Rodrigo Urban

O maior evento poliesportivo já realizado no país, os jogos Pan-Americanos, serão realizados na cidade do Rio de Janeiro entre 12 e 29 de julho de 2007.
Uma grande festa. O maior número de atletas desde que este evento foi criado (5662 atletas) Serão disputadas 332 medalhas de ouro. Grandes expectativas para o Brasil em diversas modalidades. Empreendimentos vultuosos. Orçamento radicalmente inchado. E uma organização com falhas de dar inveja a qualquer país do mundo. Uma grande festa.
Para se ter uma idéia, o orçamento previsto inicialmete para a organização do evento era de 409 milhões de reais, altos custos, mas dentro da realidade. Até agora, dependo do que se inclua no orçamento (algumas obras provavelmente serão apresentadas como melhorias para a cidade) os gastos beiram os infímos 4 bilhões de reais. Isso mesmo, dez vezes mais do que o previsto. Grande parte desse orçamento veio do governo federal.
As obras ficaram prontas no mês do evento. Eram para estar prontas no começo do ano. Aí está um dos motivos para gasto tão enorme. Como estava com tudo atrasado, não houve tempo para o governo abrir licitações, não houve tempo para negociações. Resultado: foram contratadas grandes empreiteiras para construir o que faltava com pressa, e é claro que isso não seria feito por módicas quantias. Coitado do bolso sofrido do contribuinte brasileiro.
Fato estranho estranho também foi o motivo da construção do Estádio Olímpico João Havelange, já conhecido popularmente como Engenhão por localizar-se no bairro de Engenho de Dentro. Ele tem pista de atletismo, campo de futebol, capacidade para 45000 espectadores, custou a bagatela de 380 milhões de reais (sozinho levou quase todo o orçamento inicial!) e fica a, demorados, 15 minutos do popular Estádio do Maracanã. Seria ele realmente necessário para abrigar as competições esportivas? De qualquer forma é o maior chamariz da organização, a verdadeira propaganda para justificar os gastos. afinal de contas é uma estrutura realmente bonita, dispendiosa, mas bonita.
Realmente um evento para não ser esquecido cedo. Alguém se lembra do pan-americano de São Paulo, há 44 anos atrás ? Pois este do Rio será lembrado. Afinal de contas é a chance do Brasil mostrar ao mundo sua capacidade de organização.
Hoje estava vendo a abertura, houve um atraso de trinta minutos, sem explicações. Isso é organização

terça-feira, 10 de julho de 2007

Sofrimento - parte 4

Por Rodrigo Urban

A noite começava a cair. E Francisco não se agüentava mais de pé. Esforçava-se ao máximo para andar. Viu então algo que lhe deu forças, fez até mesmo esquecer a sede e a fome. Apertou o passo, quase corria. À sua frente a interminável subida parecia acabar, via-se uma espécie de topo, onde parecia que se iniciaria uma descida. Tinha certeza que era isso, não havia nada mais acima. Melhor tinha certeza que havia civilização logo ali, no começo da descida. Já podia escutar sons, ruídos, de pessoas falando, de carros passando, sentia até mesmo o cheiro de comida sendo feita. Comida para ele. Chegou ao topo.
Francisco caiu de joelhos ao chão. Impossível. Todas as dúvidas voltaram em um relance à sua cabeça. Quem eram seus pais, tinha pais? Onde trabalhava? O que estava fazendo ali, não sabia mais. Por que tudo o que ele viu tinha seu nome? Quanto tempo havia se passado, não fazia a menor idéia. O quê era aquilo à sua frente, o quê?
Olhou novamente para frente, um imenso vazio. A escuridão era total. Talvez um imenso abismo, talvez o nada absoluto. Onde ele estava de verdade? Começava a cair aos poucos no chão, apoiou os braços. O que fez até aqui? Deitou-se no chão. O vazio emitia os sons de uma cidade. O quê era isso? Quem era ele, realmente não sabia. Reuniu suas últimas forças, e apoiado nas suas últimas dúvidas ergueu-se e lançou-se naquele vazio no seu próprio vazio.

- Carlinhos volte aqui – chamava desesperadamente a mãe do menino, que corria sozinho na frente do grupo, sua mãe, seu pai, dois tios e o avô. O pequeno menino parou de repente atônito. Seu pai logo correu para ver o que acontecia. Um corpo jazia à beirada do riacho que corria no terreno plano. O grupo se chocou, não sabiam quem era, mas viam a dúvida e o desespero no rosto dele. Um dos tios correu para chamar o segurança do Horto da cidade. A mãe carregava Carlinhos, e acompanhava o resto dos visitantes para o carro, estava perto, afinal o Horto era extremamente pequeno. Esperaram o tio que faltava e partiram calados. Antes de ir passaram por um carro popular com os pneus murchos parado no estacionamento, ao lado de um caminhão de mudanças, podia-se ler no adesivo colado no vidro lateral do carro: “Tenho orgulho do meu nome comum: Francisco”.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Sofrimento - parte 3

Por Rodrigo Urban

A posição de Francisco começava a se tornar excessivamente desconfortável. Resolveu levantar a cabeça. Ao olhar para frente seu semblante melhorou muito. Sentia-se disposto e vivo outra vez. Esfregou os olhos para ter certeza do que via, era difícil de acreditar. Olhou outra vez para frente e contemplou a linda montanha que buscava quando saiu da cidade. Estava a pouquíssimos quilômetros de distância. Era de um tamanho médio, mas impunha respeito. Sua costa era de um verde absurdamente natural, vindo da vegetação provavelmente nunca tocada. Acelerou o carro, não podia ver a hora de chegar até ela.
Durante o curto trajeto, Francisco se indagou por que não havia reparado na montanha antes. Havia se desesperado no mesmo local que observou a montanha, mas tinha certeza que não havia nada à sua frente. Não, ele estava nervoso demais, a luz tinha ofuscado sua vista. Montanhas não aparecem do nada. Era isso, não tinha percebido antes, só isso.
A estrada acabou. Estranho, terminava no sopé da montanha, e não havia caminho nela para prosseguir a viagem. Francisco desceu do carro, extremamente confuso. Parou em frente a montanha, a observou. Não tinha idéia do que fazer. Não ficara nervoso, porque o fato era estranho demais, ficava nervoso com coisas que tinham explicação e isso, decididamente, não era fácil de se explicar.
Começou a andar de um lado para outro. Olhava para a montanha, olhava para o lado oposto, onde não havia nada. Algo chamou sua atenção. Andou um pouco à esquerda do fim da estrada. Existia uma trilha, um pouco coberta pela vegetação, é verdade, mas era o único caminho que poderia seguir. Sem pestanejar se embrenhou na mata, nem pensara em pegar algo no carro que pudesse precisar, ou trancou o mesmo. Seguia sem rumo, pela estreita trilha que encontrara.
Havia horas que andava. Estava com fome. O sol castigava seu corpo, que respingava suor por todos os lados. O pior é que não se lembrava de passar calor durante a viagem de carro, pelo contrário, recordava-se de um tempo razoavelmente frio. Olhou para os lados, não havia algum sinal de vida animal, um ruído, uma pegada, um piado, nada. Era desolador. Lembrou-se novamente da fome, também não havia um fruto em qualquer árvore a sua volta. Por sinal todas as árvores eram tão parecidas, altas, mas não cobriam o sol, não sobrava espaço para seguir dentro da mata, eram todas muito próximas, ficava muito fechado. Os galhos eram de um tom marrom muito escuro, retorcidos, mas não chegavam a ser sombrios. Mas não podia perder tempo agora, morria de sede e fome. Precisava chegar a algum lugar rapidamente. Prosseguiu a viagem.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Sofrimento - Parte 2

Por Rodrigo Urban

Anoiteceu e Francisco, já cansado e mais confuso e irritado do que antes, gritou com o máximo de sua força:
- Onde está a maldita montanha!
Francisco então freou o carro e, após melhor observar o ambiente ao seu redor, espantou-se. Viu um terreno árido e morto, não havia uma planta, uma construção sequer, tudo iluminado por um único poste de luz sem fios. Intrigante, ele tinha dirigido na mais total escuridão até aquele lugar, olhou para trás e confirmou que não havia nenhum feixe de luz aparente. Abriu a porta do carro e saiu. Estava muito frio. Olhou para dentro do carro. Não havia blusa de frio lá dentro, irritou-se e chutou com violência o pneu do carro. Sentiu então um calafrio horripilante. Paralisou-se e, sem razão aparente, tremendo, entrou de volta no carro e trancou a porta do carro. Pensou em dirigir, mas ao reparar na escuridão total à sua volta decidiu passar a noite ali mesmo. Afinal havia luz. Olhou o poste e imaginou que os fios deveriam estar sob a terra, claro. Tentou não pensar em mais nada, só que se lembrou que desde a cidade não vira nenhum veículo, muito estranho. Dormiu.
Francisco acordou com a ofuscante luz solar batendo em seu rosto. Que horas seriam? Olhou o pulso. Não havia relógio, e seu carro não tinha rádio. Bateu a cabeça no volante três vezes. Escutou um estrondoso ruído, olhou para o lado e viu um gigantesco caminhão passando em altíssima velocidade. Alegrou-se e leu na traseira do caminhão: “Seu Chico mudanças”. – Bom um xará - pensou. Tentou dar a partida, mas o carro não pegou. Pensava em seguir o caminhão, o único sinal de vida desde que ele saíra da cidade. O caminhão sumiu no horizonte. Respirou fundo e virou a chave, o carro pegou. Esmurrou o painel, e pisou no acelerador, com tanta raiva e força como da primeira vez.
Começava a sentir sede ao extremo, não havia nada naquele caminho tortuoso, já haviam passado horas desde que havia visto o caminhão, mas não alcançara nenhum local onde ele poderia ter parado. Não era possível, a velocidade que Francisco estava dirigindo superaria qualquer caminhão, onde estaria aquele que ele observara antes? Pisou com violência no freio. O carro parou com os pneus emitindo um chiado atormentador. Não sabia mais no que pensar, começava a entrar em desespero. Abaixou a cabeça. Ficou assim por um bom tempo.

sábado, 19 de maio de 2007

Sofrimento - parte 1

Por Rodrigo Urban

Francisco verificou os pneus e conferiu o nível do óleo do carro. Tudo em perfeitas condições. É quarta-feira, dia difícil para Francisco, após muitos anos de trabalho árduo havia sido despedido. Precisamos cortar gastos disseram, pro inferno com eles, hipócritas não souberam valorizar seu trabalho, seu esforço, sua vida. Extremamente inconformado e irritado voltara para casa, planejou uma viagem para as montanhas perto de sua casa, sem esposa ou filhos não tinha com quê se preocupar. Avisaria seus pais depois. Eles moravam longe.
Entrou no carro e bateu forte a porta. Da rua observou sua pequena casa, velha com furos e remendos no telhado, janelas quebradas e aspecto de abandono, era incrível pensar que em mais de trinta anos de trabalho só havia conseguido aquilo. O estado deplorável do seu único bem se devia ao serviço, claro, não tinha tempo para nada, quando iria consertar a casa? Esses pensamentos inundavam a mente de Francisco de ira e desespero, descontou no pedal do acelerador, não estava preocupado com multas de trânsito, só queria sossego.
Atingiu cento e quarenta quilômetros por hora, ao passar pelo limite da cidade freou, o carro popular, gasto e judiado pelo tempo derrapou, girou, inverteu sua direção, ficando assim, de frente para a placa da cidade onde se podia ler, com letras grandes, mas não bem feitas: “Bem Vindo a São Francisco da Prosperidade”, Francisco não pode deixar de pensar na infeliz coincidência, afinal pra ele aquela cidade não havia sido nada santa, muito menos próspera. Deu a volta e prosseguiu seu caminho.
Após pouco tempo de viagem já podia observar as montanhas que rodeavam a cidade e pensou em um fato curioso: não se lembrava de ter alguma vez saído da cidade, mas ele não nascera lá, afinal seus pais moravam longe e nunca haviam o visitado. Agora que pensou nos pais, quem eram eles? Não se lembrava de suas feições, ou de algo que porventura teriam feitos juntos, um jantar, um almoço, qualquer coisa. Por mais que se esforçasse não se lembrava, e para piorar conforme ia se aproximando do sopé da montanha sua cabeça era invadida por cada vez mais questões sem respostas aparentes, como: qual era o nome da empresa que ele trabalhou por tanto tempo, não se recordava, assim como também não se lembrava da função que exercera lá e nem de seus colegas de trabalho. Todas essas indagações eram extremamente estranhas e deixavam Francisco cada vez mais confuso conforme o tempo ia passando.
Francisco parou o carro, observava a fonte de água brotando da mais pura rocha, com uma escassa vegetação em volta. Observando melhor ele viu que o local na verdade era um imenso paredão rochoso na beira da estrada, e percebeu que lá não era um bom local para estacionar, afinal um caminhão poderia passar e ocasionar um acidente. Molhou rapidamente o rosto no fino fio de água que escorria e logo entrou no carro. Pisou no acelerador, agora com menos raiva e força do que na saída da cidade, mas mesmo assim atingiu uma velocidade considerável.